APDMCE reúne municípios para debate sobre diversidade e identidade cultural para uma Infância sem Racismo

“Para chegar ao universal é preciso passar pelo diverso”, defende  a socióloga e chefe do escritório do UNICEF em Salvador, Helena Oliveira

O Selo UNICEF Ceará promoveu, na tarde de quarta-feira (9), um debate sobre o racismo estrutural no Brasil e suas diferentes manifestações, que tem como consequência mais cruel a morte de negros e negras por uma violência institucionalizada, inclusive crianças e adolescentes. Com o tema “Eu não posso respirar aqui também”, o painel, transmitido por videoconferência, recebeu pesquisadores e militantes para debater o tema, perpassando suas áreas de estudo e também experiências pessoais carregadas na própria pele.

Impulsionado pela potência das diversas manifestações realizadas mundo afora após a morte do afroamericano George Floyd em decorrência de uso excessiva de força por policiais brancos, a equipe do Selo UNICEF compreendeu a necessidade de abordar o tema trazendo para o contexto local. A alusão à frase dita por Floyd antes de morrer (“eu não posso respirar”) é uma realidade também no Brasil, que tem convivido com a banalização das mortes de crianças negras. O debate foi mediado pelo chefe do escritório do Selo UNICEF no Ceará, Rui Aguiar. 

Para contextualizar o cenário de racismo no País, a socióloga Helena Oliveira, criadora da campanha “Infância sem Racismo” e chefe do escritório do UNICEF em Salvador, convidou os participantes a refletirem verdadeiramente sobre o tema e explicou que o racismo deve ser conversado cotidianamente e não apenas em palestras formais. “Essa discussão não é só das pessoas negras, mas é responsabilidade de toda a sociedade. Nunca comece um debate dizendo ‘eu não sou racista’, porque ele (o racismo) é estrutural. Nós queremos saber o que você está fazendo para que a sociedade deixe de ser racista”, reflete.

Helena Oliveira, socióloga e chefe do escritório do UNICEF em Salvador

Helena Oliveira leu trecho do livro “Pequeno Manual Antirracista”, da autora Djamila Ribeiro, e ressaltou que, durante muito tempo, o ensino de história nas escolas omitiu a cultura negra oriunda dos países africanos que tiveram seus povos escravizados durante séculos na Europa e Américas. A socióloga também defendeu ser preciso abraçar a diversidade para garantir a universalidade de direitos. “Para chegar ao universal é preciso passar pelo diverso”, pontua.

A socióloga Patrícia Maria, uma das avaliadoras do Selo UNICEF no Ceará, aprofundou a discussão sobre como a institucionalização do racismo impacta na trajetória das pessoas negras. “Uma mulher negra e um homem negro conseguem encarar várias questões da vida a partir de uma questão estrutural. É importante ressaltar o apagamento da população negra no Ceará e como isso é nocivo para pensar nos resgates culturais que a gente tem”, analisa.

Patrícia relata como o olhar sobre o racismo ainda é limitado ao exemplificar as postagens de alguns municípios na plataforma do Selo UNICEF sobre o resultado sistêmico 9, que trata da estratégia de promoção da igualdade racial implementada na rede escolar municipal.  “Identificamos que sempre há uma individualização do racismo nos relatos encontrados”, aponta.

“Há um distanciamento das construções sociais. Muitas vezes, a gente se utiliza de várias coisas da cultura negra, mas não valoriza. E é muito importante falar da identidade como construção da infância e conseguir trazer para as nossa crianças e adolescentes uma identidade positiva da cultura negra”, complementa.

O educador social e teatrólogo Joaquim Araújo, gerente de formação do Centro Cultural do Bom Jardim (CCBJ), declarou que por muito tempo houve um pensamento predominante de que o racismo não é explícito no Brasil, opinião da qual ele discorda. “O racismo no Brasil não é velado, nós sentimos ele na nossa pele no dia a dia. Ele é declarado nas escolas, nas universidades, nas empresas, na política, quando a gente olha para a maioria, que é formada por homens brancos”, ressalta.

Joaquim Araújo, educador social e teatrólogo

Para Joaquim Araújo, é fundamental que o racismo seja discutido diariamente para construir novas narrativas históricas. “Temos hoje nas escolas uma história que é contada pelos brancos, temos uma literatura nas escolas apresentada por brancos. Nossos heróis são brancos”, exemplifica. “Nós somos quase 70% da população do Brasil (incluindo pardos e pretos). Não se pode mais achar que vai discutir racismo só quando acontece algo externo ou extraordinário”, acrescenta o educador.

O encontro também contou com a apresentação do músico Rodrigo Santiago, do escritório do UNICEF em São Paulo, que participou da abertura da teleconferência com três músicas que serviram de inspiração para o debate.

Nilson Silva, que atua no acompanhamento do resultado sistêmico do Selo UNICEF referente aos Núcleos de Cidadania de Adolescentes (NUCAs), representou a Associação para o Desenvolvimento do  Ceará (APDMCE), instituição implementadora do Selo no Ceará. “Sempre que algo nos incomodar e mexer com a gente, iremos chamá-los para debater com a gente”, salienta Nilson, que agradeceu a presença de todos os adolescentes, articuladores e mobilizadores no encontro online.

Após a exposição, muitos participantes apresentaram contribuições para o debate. Uma delas foi da adolescente Sofia, que ressaltou a importância do debate e enfatizou a necessidade do ensino sobre culturas africanas nas escolas. 

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